XIX


Correspondencia
Março 25, 2008, 12:10 am
Filed under: Política

Lisboa, 3 de Junho, 1817

Senhores Redactores do Investigador Português; –

«(…) Há leis para obstar a Contrabando; e o Contrabando em todos os Domínio de Sua Magestade he o mais extenso, e escandaloso que nunca se vio porque as providencias do Legislador se naõ executaõ. Sem sahir de Lisboa; naõ he por exemplo, em fazendas que saõ de grande valor, bem que de pequeno volume, como rendas, e cambraias de França, que se faz contrabando: he em carregações de louça, em pipas d’agoa-ardente, em grandes fardos de fazenda, he em tudo, dentro, e fora da Alfandega; e o Publico ainda naõ vio punido conforme as Leis hum só transgressor, hum unico Empregado da Alfandega, onde a delapidação he a mais descarada e impune.

Quasi todas as Administrações publicas estão sobrecarregadas de Empregados, dos quaes hum terço seria de sobejo; nem he a primeira vez, que se tem criado lugares novos, escusados, e até prejudicadissimos, para acommodar protegidos. Cada Repartiçaõ tem o seu Regimento; porque fatalidade se naõ cumpre?

Muitos Empregados em Administrações, sem bens patrimoniaes despendem dez, e vinte vezes mais do que os ordenados, e emolumentos, que lhes competem. O publico o vê com indignaçaõ, e escandalo, e sabe donde lhe vem: porque naõ se punem exemplarmente taes empregados?

Ha hum excelllente Regimento realtivo aos Paues do Reino; e outro a respeito dos Paues de Santarem, nos quase se encontra o amor da Agricultura, mui boas providencias contra os estragos das cheas, sobre direcçaõ dos reparos, e tapumes; sobre o cuidado, e vigilancia que deve constantemente haver na abertura das vallas, etc. Por que fatalidade nossa naõ se cumprem?

Os exemplos apontados bastaõ para provar quaõ pouco saõ executadas as Leis entre nós; e que dahi nos vem grandes males. Seria muito para desejar que o nosso Augusto Bom Soberano se convencesse de que he infinitamente melhor cumprir leis más, do que deixar de cumprir leis boas. Da execuçaõ daquellas podem vir bens, naõ sendo o menor o habito que os Povos adquirem de respeitar sempre as Leis: da naõ execuçaõ destas naõ podem vir senaõ males, naõ sendo o menor o habito que os Povos adquirem de desprezar as Leis: e quando huma Naçaõ adquire o funesto habito de transgredir impunemente as Leis, que nada mais saõ entre nós do que a vontade expressa do Soberano, está mui proxima a perder o Santo respeito que he devido ao Legislador. Se as minhas vozes pois chegassem ao Throno, eu diria afoitamente ao nosso Bom, e Adorado Soberano – ,, Senhor, em quanto as Leis naõ forem derogadas, naõ permita Vossa Magestade que ellas sejaõ transgredidas. Saõ fataes os males que dahi vem; seja pois severa, e irremessivelmente punido todo o vassallo, que as naõ cumprir;  e tanto mais prompta, severa, e exemplarmente punido, quanto maior, e mais elevada for a qualidade do transgressor. Quando a experiencia mostrar, que a Lei naõ corresponde aos fins para que foi promulgada, derogue-a Vossa Magestade;  mas naõ tolere mais que os seus Ministros de estado dem á Naçaõ inteira o fatal exemplo de serem elles mesmos os primeiros transgressores das Leis estabelecidas, ordenando, por meros Avisos o contrario do que as mesmas Leis determinaõ. (…)

Militar Cidadaõ»

in O Investigador Português em inglaterra, Agosto de 1817


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